As origens do Capacete de Aço no Movimento Constitucionalista de 1932.

 

(Sérgio Righi)

 

Breve introdução histórica

 

Os capacetes militares são conhecidos desde a Antigüidade e tinham como função proteger a cabeça, a face e o pescoço do ataque de espadas, lanças, flechas e outras armas.

 

Inicialmente eles foram fabricados em couro e reforçados com peças de ferro, ou totalmente em bronze, nos formatos cônico ou hemisférico. Esses modelos foram evoluindo até chegarem ao ponto de que todos os demais materiais empregados na confecção fossem substituídos pelo ferro.

 

Nos séculos 18 e 19, com o aumento da eficácia das armas de fogo e a diminuição do uso da espada e da lança, os capacetes metálicos caíram em desuso.

 

Porém, os primeiros combates nas trincheiras durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) revelaram o fato de que 80% dos ferimentos sofridos pelos soldados, muitos deles fatais, eram na cabeça.

 

A idéia para a criação da primeira proteção destinada à cabeça dos soldados que lutavam nas trincheiras foi obtida de maneira ocasional em 1914, quando o General Adrian (Nota 1) do Exército Francês ouviu de um soldado que foi ferido na cabeça por um projétil de rifle, que ele escapou da morte pelo fato de estar com sua tigela metálica de comida na cabeça sobre seu quepe de tecido.

 

Os primeiros exemplares eram bem rudimentares, consistindo de uma “tigela” de metal que era usada sob o quepe do soldado. Esse modelo inicial foi aprimorado, e tornou-se mais apresentável e eficiente, assumindo a forma semelhante aos capacetes utilizados pelos bombeiros franceses da época. (Nota 2)

 

Após um período de experiências, os primeiros capacetes de aço destinados a proteger a cabeça dos soldados nas trincheiras surgiram em 1915, e foram utilizados pelo exército francês (Casque Adrian M15). Na Inglaterra foram introduzidos em 1916 (MKI Helmet), seguidos pela Alemanha e posteriormente por toda a Europa.

 

O capacete de aço não era “à prova de balas”, mas proporcionava proteção eficaz contra estilhaços de granadas e também projéteis de pequeno calibre, desde que atingido num ângulo de incidência que proporcionasse o ricochete.

 

 

O advento do Capacete de Aço no Movimento Constitucionalista de 1932

 

Em São Paulo, a partir de modelos de capacetes francês e inglês obtidos de um colecionador, a Companhia Paulista de Louças Esmaltadas pôs-se, em finais de Julho de 1932, a fabricar por conta própria os capacetes de aço, oferecendo um lote com 300 unidades à Liga de Defesa Paulista (LDP), sendo que logo em seguida, o Exército e a Força Pública efetuaram suas encomendas.

 

A Associação Comercial de São Paulo, uma vez irrompido o movimento constitucionalista, orientou seus esforços no sentido de auxiliar os serviços da retaguarda.

 

Para organizar tais serviços foram criados 17 departamentos, sendo um deles o Departamento do Capacete de Aço, nascido, em Agosto de 1932, do interesse da Associação Comercial de São Paulo e da organização MMDC em dotar o soldado constitucionalista de um equipamento que proporcionasse uma maior proteção na guerra de trincheiras.

 

Deste modo, a Associação Comercial de São Paulo chamou para si a responsabilidade de administrar e centralizar o controle da produção dos capacetes de aço destinados às tropas constitucionalistas.

 

Nas primeiras 48 horas da implantação deste Departamento, foram doados 156:435$000 Rs (Nota 3) montante suficiente para produzir em torno de 11.000 capacetes.

 

 

Evolução das doações:

 

Período

(após a implantação do Depto do Capacete de Aço)

Montante

Quantidade

Capacetes

Após 7 dias

500:000$000

33.000

Após 20 dias

1.200:000$000

80.000

Início de Setembro

1.500:000$000

105.000

 

 

A fabricação dos capacetes de aço ficou a cargo de quatro empresas sediadas na cidade de São Paulo - SP:

 

· Companhia Paulista de Louças Esmaltadas, com sede no bairro da Moóca;

· Indústrias Reunidas Martins Ferreira, com sede no bairro da Lapa;

· Fábrica de Móveis de Aço Fiel, com sede no bairro da Lapa; e

· Fábrica de Cofres Bernardini, com sede no bairro do Ipiranga.

 

A Companhia Paulista de Louças Esmaltadas se ofereceu para produzir os capacetes de aço gratuitamente, sendo que a Associação Comercial de São Paulo fornecia a chapa de aço, a pintura, a carneira e a embalagem.

 

Numa das fábricas de carneiras, os operários se voluntariaram a doar a metade de sua jornada de trabalho de modo a reduzir o custo final do capacete, exemplo seguido posteriormente pelas demais fábricas envolvidas na produção, como foi o caso de uma serraria que fornecia as embalagens para acondicionamento a um preço inferior ao próprio custo da madeira empregada.

 

No início, o preço de um capacete de aço completo era orçado em 15$000 Rs, porém com a colaboração das fábricas e de seus funcionários, o custo final chegou a 8$200 Rs.

 

Em Setembro de 1932, os capacetes eram fornecidos com uma cobertura de tecido que tinha as seguintes finalidades:

 

· diminuir a quantidade de calor absorvida pelo capacete de aço ao sol; e

· evitar que ele brilhasse.

 

 

Modelos produzidos

 

Foram produzidos três modelos de capacetes:

 

modelo francês:

modelo inglês:

 

 

modelo paulista:

 

O modelo francês foi o primeiro a ser produzido em São Paulo baseado no Casque Adrian M15 com algumas modificações em relação ao modelo original francês, sendo a mais perceptível o dispositivo para ventilação no topo (“crista”) que no nosso caso é menor.

Borda dobrada

Detalhes das diferenças entre a Borda simples e a Borda dobrada

Borda simples -  1,16mm                                           Borda dobrada -   2,425mm

O modelo paulista foi uma variação do modelo francês. O modelo francês era produzido em cinco peças: o casco com uma abertura em forma de fenda no topo, duas peças que formavam a borda, unidas a altura dos passantes da jugular, uma crista que dava acabamento a essa abertura que funciona como ventilação e um aro para aumentar a espessura da borda. O fato de possuir cinco peças exigia serviços adicionais de prensagem, rebitagem e soldagem os quais dificultavam e encareciam o processo de produção, já o modelo paulista era estampado em uma única peça com uma protuberância no topo na qual havia quatro furos para ventilação e com a borda dobrada para ter uma maior espessura.

Nos modelos francês e paulista, a carneira é presa através de quatro conjuntos de duas presilhas cada, soldados no interior do casco do capacete, estas presilhas são enganchadas no tecido de lã da carneira e a prendem quando são dobradas para dentro. Presa também por essas presilhas, entre o casco e o tecido da carneira, existe uma tira de alumínio ondulada ao longo de toda a circunferência externa da carneira. Uma única tira de couro serve como jugular que tem uma das extremidades fixada através de ilhós a um dos dois passantes soldados na aba do capacete e a outra extremidade passando pelo outro passante e fixada através de ilhós a uma fivela passante que possibilita o seu ajuste.

Presilhas da carneira - modelo Francês

Presilhas da carneira - modelo Paulista

As carneiras para os modelos francês e paulista são iguais, salvo um ou outro detalhe que varia em função do fabricante.

Capacete modelo Francês                                      Capacete  modelo Paulista

Detalhe do “viés” da borda

No modelo inglês a carneira e a jugular formam uma só peca e esse conjunto, juntamente com um anel de látex (o-ring) é fixado ao capacete através de um rebite no topo. Cada um dos lados da tira da jugular atravessa seus respectivos passadores fixados na aba do capacete e duas fivelas passantes possibilitam seu ajuste.

De todos os fabricantes somente a Fábrica de Móveis de Aço Fiel estampou sua marca nos capacetes de aço.

Baixo relevo parte de fora

da aba

Alto relevo parte de dentro da aba

A carneira para o modelo inglês é bem diferente em virtude de utilizar outro método de fixação ao casco.

As carneiras podem apresentar as seguintes marcações de fábrica, nas laterais à altura das têmporas:

 

· Paulista;

· Offerta do Povo Paulista ao Soldado da Constituição;

· Ou ambas

 

 

Marcações em carneira de capacetes modelo Inglês

Marcação em carneira de                                                                   Marcação em carneira de

capacete modelo Paulista                                                                  capacete modelo Francês

Carneira de capacete modelo Paulista com duas marcações

Os antagônicos pontos de vista dos contendores a respeito do Capacete de Aço paulista

 

O conceito (desdenhoso), que as tropas ditatoriais tinham do capacete de aço paulista pode ser observado no trecho a seguir, extraído do livro Vitória ou Derrota? Campanha no Setor Sul de São Paulo em 1932 - Major Dilermando de Assis – Calvino Filho, Editor – 1936 – páginas 242 e 243 (a transcrição é fiel ao texto original).

 

“...           O 8º. B.C.P. (com as demais unidades que o secundavam), que constituía a ossatura da defesa, estava na altura da missão e cumpriu-a galhardamente, apesar da desmoralização em que logo caíram os tais capacetes de chumbo (pesados e facilmente transfixáveis pelos projetis).

 

Tivemos o ensejo de ver dois deles, atingidos por balas de fusil e de artilharia, encontrados nas trincheiras. O primeiro transfixado por tres projetis, fazia supor tratar-se de uma rajada. Sangue e fios de cabelo de seu portador revelavam ter sido gravemente ferido, sinão morto. Trazia na frente, escrito a lápis, o nome de “ELIAS”.

 

                O segundo, com a pala cortada em semicírculo por um copo de schrapnell, tinha o fôrro de couro salpicado de sangue e massa encefálica.

 

                É facil de avaliar a cena macabra ocorrida na trincheira onde a cabeça da vítima deve ter sido arrancada do tronco, arrebatada e esfacelada pelo 75, depois de ter despejado os seus numerosos balins sôbre a guarnição.

 

                Ambos foram “Oferta do povo paulista ao soldado constitucionalista”, qual se lia, em letras prateadas, na carneira de cada um.    ...”

 

Já a opinião de um soldado constitucionalista é totalmente diferente, como podemos notar no trecho a seguir, extraído do livro Renda-se Paulista! – Dr. Luiz Vieira de Mello – Médico civil, official de combate e chefe do material bellico do Contingente de Assalto Saldanha Gama – (não há referência a editora, edição ou data de publicação) – páginas 86 e 87 (a transcrição é fiel ao texto original).

 

“...            O uniforme de guerra deve ser o macacão, largo, ventilado e de pouco preço. Nada de equipamentos complicados – o soldado atira-o fora por inutil e pesado. Capacete de aço, que não é feito á prova de bala, como querem os ingênuos, mas que protege a cabeça, ponto extraordinariamente vulnerável, dos estilhaços, da terra, das coronhadas e dos golpes de facão. O melhor tipo é o inglez – feio mas bom.

 

                  - Dou-te uma capacetada! ameaça o soldado ao companheiro. Si facilitar, é provavel mesmo que o capacete se transforme em arma.              ...”

 

 

Conclusão

 

Mais do que um equipamento de combate, o Capacete de Aço foi o estandarte do Movimento Constitucionalista de 1932, um símbolo do esforço de guerra e do sacrifício de um povo para a volta de seu país ao regime constitucional.

 

- o -


(Nota 1)

 

Louis Auguste Adrian (1859 – 1933) General francês, Grande Oficial da Legião de Honra

 

Louis Auguste Adrian.

Fonte : Archives Départementales de La Manche

 

 

(Nota 2)

 

Jornal Le Mortainais – 10 de Julho de 1915.

Fonte: Archives Départementales de La Manche

 

 

 

 

(Nota 3)

 

· 156:435$000 corresponde a Cento e Cinqüenta e Seis Contos e Quatrocentos e Trinta e Cinco Mil Réis ou Cento e Cinqüenta e Seis Milhões e Quatrocentos e Trinta e Cinco Mil Réis)

Na cotação do Dólar da época, equivaleria a US$10,950.00 aproximadamente

 

 

 

 

Bibliografia

 

· MMDC – Benjamim de Oliveira Filho – Edição Schmidt - 1932

· 1932 São Paulo A Máquina de Guerra – Mário Monteiro – Redação Final Editora - 1985

· Vitória ou Derrota? Campanha no Setor Sul de São Paulo em 1932 - Major Dilermando de Assis – Calvino Filho, Editor – 1936 – páginas 242 e 243

Renda-se Paulista! – Dr. Luiz Vieira de Mello – Médico civil, official de combate e chefe do material bellico do Contingente de Assalto Saldanha Gama - páginas 86 e 87

 

 

 

Créditos

 

Exceto quando a fonte foi citada, todos os esquemas gráficos e fotografias foram produzidos pelo autor, a partir do acervo de coleção particular.

 

 

www.ultimatrincheira.com.br – Julho/2009

formato (visto por cima):

circular (MKI)

levemente elíptico (MKII)

diâmetro:

29,6 cm (MKI)

29,8 x 29 cm (MKII)

a medida maior encontra-se entre as bordas

laterais onde são fixadas a jugular

altura (em relação ao plano de apoio):

10,3 cm

peso (conjunto completo):

1200 g (MKI)

  960 g (MKII)

formato (visto por cima):  

elíptico

diâmetros:

29,8 x 23 cm

a medida menor encontra-se entre as bordas laterais onde são fixadas a jugular

altura (em relação ao plano de apoio):

12,3 cm       

peso (conjunto completo):

1000 g

formato (visto por cima):  

elíptico

diâmetros:

28,8 x 23,5 cm

a medida menor encontra-se entre as bordas laterais onde são fixadas a jugular

altura (em relação ao plano de apoio):

12,6 cm

peso (conjunto completo):

880 g